Julia Navarro é a mestre da ficção histórica e, como já aqui escrevi, não será exagero chamar-lhe a versão feminina de Ken Follett. Em “Dispara, Eu Já Estou Morto”, de 2013, a espanhola debruça-se sobre o conflito israelo-árabe dando espaço ao olhar judeu e árabe. De um lado, está a família Zucker, judeus de origem russa que chegam à Palestina representados por Samuel, quando a sua família tinha morrido às mãos de extremistas. Primeiro, a mãe e irmãos, por simples ódio à sua religião judaica e muitos anos mais tarde, o pai, por ódio aqueles que não pensavam como o poder reinante. Do outro lado, estão os Ziad, habitantes da Palestina desde sempre e arrendatários de um pequeno pedaço de terreno que, um dia se tonar propriedade de Samuel e outros judeus que, contra todos os seus preconceitos se tornam seus amigos num punhado de casas e terras agrícolas a que passam a chamar a Horta da Esperança, um micro lugar que o grupo gostava que se tornasse um exemplo do que deveria ser a nova Palestina.
Quando chega à Palestina, Samuel já se despediu daqueles que mais gostava. Em criança, amaldiçoou o seu judaísmo quando a mãe e irmãos foram assassinados apenas pela sua religião. Com a Rússia mãe numa situação difícil, o jovem Samuel e o pai mudam de vida. Primeiro vão para São Petersburgo, vivendo num pequeno quarto na casa de duas irmãs viúvas, onde Samuel estuda e o pai, Isaac, faz pela vida vendendo peles que anualmente vai buscar a Paris. É ali que Samuel se forma como homem, com a estreita influência de amigos de maiores posses, mas que sempre o tratam como um igual. É ali que começa um amor não correspondido por Irina e que se apaixona pelas fórmulas, que fazem dele botânico, conhecimentos que ajudarão muitos na Palestina. Já sem o pai, que mais uma vez tudo fez por Samuel, o jovem chega a Paris com Irina e um pequeno protegido e, depois de perceber que a bela Irina nunca fará vida com ele, decide tentar a sorte na Palestina.
É na Palestina que já vivem os Ziad, com Ahmed como seu chefe de família, ele que trabalha a terra e a pedra, ganhando para o sustento da mulher e filhos. Quando a pedreira deixa de dar o lucro que o seu senhorio árabe pretende, é vendida e Samuel e um grupo de estranhos tornam-se donos da sua casa e terras e um outro, da pedreira. Ahmed nada perde. Pelo contrário. Mantém a casa, o trabalho e ganha um grupo de amigos, mesmo que nunca entenda alguns dos seus costumes. Judeus e árabes conseguem fazer das suas casas, um oásis de tranquilidade. Mas, de um lado e de outro, muitos são os que não entendem aquelas amizades e que pretendem que os lados se distanciem e que os amigos escolham as suas “equipas”.
Tendo como pano de fundo os acontecimentos políticos e bélicos da altura, Navarro faz um registo magistral de um dos conflitos mais conhecidos do mundo, expondo argumentos de um lado e de outro, mostrando um possível caminho para que os dois povos convivam.